Juíza confirma decisão que negou vínculo de emprego entre ex-conselheiro e clube


22.07.21 | Trabalhista

A juíza Hadma Christina Murta Campos julgou procedentes os embargos de declaração ajuizados por um engenheiro civil, ex-conselheiro de um clube do Estado de Minas Gerais. Ele havia apontado algumas omissões na sentença, que foram sanadas pela magistrada. No entanto, os fundamentos foram mantidos.

Na sentença, o juiz Ronaldo Antônio de Brito Júnior, em exercício na 14ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, havia afastado o vínculo de emprego pretendido pelo engenheiro.

Na ação, o engenheiro alegou que foi empregado do clube esportivo de 1/7/2000 a 27/3/2021, mas não teve anotada a CTPS. A atuação teria se dado como engenheiro até 30/4/2018 e Diretor de Obras e Patrimônio a partir de 1º de maio de 2018. Segundo ele, todos os elementos caracterizadores da relação de emprego se fizeram presentes, quais sejam, trabalho prestado por pessoa física, com pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e sob dependência. O total dos pedidos alcançou quase R$ 4 milhões.

Em defesa, o clube negou a versão do engenheiro. Para provar a tese de inexistência de relação de emprego, apresentou cópia de petição inicial de ação proposta pelo autor e outros demandantes no juízo cível. Na referida ação civil, conforme verificou o julgador, o autor pediu a reintegração ao Conselho Deliberativo do clube. Ele sustentou, na oportunidade, por intermédio de seu procurador, que não fora empregado do clube e que não haveria subordinação na prestação de serviços por pessoa jurídica. A alegação era de que eventual prestação de serviços ao clube havia se dado por meio de pessoa jurídica. Na petição, constou que não teria havido descumprimento da norma estatutária da entidade que impedia a contratação de conselheiros como empregados.

O autor negou que tivesse conhecimento do teor desta petição ao apresentar réplica à defesa e ao prestar depoimento. Argumentou que, ao saber do que se tratava, retirou-se do polo ativo da ação, renunciando ao direito sobre o qual ela havia se fundado. Contudo, o magistrado não se convenceu por ausência de prova da alegação. O juiz observou que foi apresentada a procuração concedida pelo autor na ação cível, o que indicou que ele consentiu com o conteúdo da inicial.

Ao decidir o caso, o juiz se referiu ao princípio da primazia da realidade sobre a forma, pelo qual a realidade vivida pelas partes deve prevalecer sobre as condições formais registradas em documentos. O magistrado explicou que esse princípio autoriza a descaracterização de uma pactuada relação civil de prestação de serviços por pessoa jurídica quando se constata a presença de todos os pressupostos legais caracterizadores da relação de emprego, previstos no artigo 3º da CLT.

Entretanto, pontuou que isso decorre do princípio da proteção, segundo o qual “os interesses contratuais dos trabalhadores merecem tratamento diferenciado a fim de que seja juridicamente reparado o desequilíbrio de poder e de influência econômica e social entre os sujeitos da relação empregatícia”. A ideia é proteger o empregado em situações costumeiramente vistas nas relações de trabalho em que é forçado a constituir pessoa jurídica como condição para alcançar o emprego que lhe garantirá a subsistência, ficando o empregador livre dos encargos trabalhistas típicos.

Para o magistrado, esse não foi o caso dos autos, uma vez que o autor não pode ser considerado hipossuficiente em relação ao clube. É que, além de ter atuado como conselheiro do clube esportivo por muitos anos, ficou evidente que sua família tinha influência na organização desportiva.

Ao apreciar as provas, o juiz chamou a atenção para o fato de o autor apenas ter obtido o título de bacharel em engenharia em dezembro de 2002 e, mesmo assim, conforme depoimento de testemunha, ter assumido obras de engenharia no clube por intermédio de pessoa jurídica já no final dos anos 90. Para o julgador, isso reforça a tese de que havia considerável influência sobre a administração do clube, desacreditando o argumento de que teria sido vítima de fraude trabalhista desde o início dos anos 2000.

Na decisão, foi ponderado que, como membro de um órgão oficial deliberativo do clube, o autor não poderia participar de uma contratação irregular, sendo ele o próprio contratado, e, ainda por cima, receber proteção da Justiça pela prática ilegal. Frisou que, no parágrafo 3º do artigo 18 do estatuto do clube desportivo, consta a previsão de perda do mandato do associado Conselheiro Nato, caso este seja contratado como empregado do clube.

A decisão valeu-se também do princípio de que "ninguém pode se beneficiar da própria torpeza". No aspecto, explicou que “ninguém pode fazer dolosamente algo incorreto e/ou em desacordo com as normas legais e depois alegar tal conduta em proveito próprio”. Para ele, ignorar este princípio seria chancelar a utilização do aparato estatal para a obtenção de bens juridicamente inconciliáveis. No caso em questão, o reconhecimento do vínculo empregatício e a manutenção da condição de conselheiro do clube. O magistrado asseverou que esse foi o objetivo principal da demanda cível ajuizada, apesar de o autor ter se retirado do polo ativo sete meses depois e após a propositura desta ação na Justiça do Trabalho.

Ainda como pontuado na decisão, não se pode admitir que, em duas demandas judiciais distintas, a mesma pessoa apresente narrativas absolutamente opostas. De acordo com o julgador, isso seria autorizar a violação ao princípio da boa-fé que veda o comportamento contraditório (venire contra factum proprium). Somou-se a tudo isso o fato de uma testemunha ter afirmado que foi Diretor de Obras do clube entre janeiro de 2012 e janeiro de 2018 e que, nesse período, o autor não prestou quaisquer serviços de engenharia ao clube.

“O reclamante não se encontrava em situação de hipossuficiência perante o clube, não havendo, portanto, nada que autorizasse a desconstituição da contratação feita pela pessoa jurídica e o consequente reconhecimento de vínculo de emprego entre o autor e a instituição, situação esta vedada pelo estatuto social da entidade”, concluiu o julgador, com base nas evidências apuradas nos autos.

Nesse contexto, o magistrado rejeitou o pedido de reconhecimento do vínculo de emprego pretendido pelo autor com o clube esportivo e o pagamento das verbas trabalhistas daí decorrentes. O autor foi condenado a pagar R$ 196.211,93 em honorários advocatícios e R$ 23.357,80 em custas processuais.

Na decisão referente ao julgamento dos embargos de declaração ajuizados pelo autor, publicada no dia 11/7/2021, foram sanadas as omissões apontadas e confirmados os fundamentos da sentença. Cabe recurso ao TRT-MG.

Processo

PJe: 0010664-44.2020.5.03.0014

Fonte: TRT3