Julgador não pode alterar enquadramento penal ao receber denúncia


20.11.12 | Magistratura

Magistrados somente podem realizar correções, no momento da sentença, ou então operar a mudança se ela beneficia o réu ou permite a correta fixação da competência ou do procedimento a ser adotado na ação.

O juiz não pode modificar a definição jurídica dos fatos narrados na denúncia no momento em que a recebe. Com base nesse entendimento, a 5ª Turma do STJ acolheu recurso em habeas corpus para anular decisão que modificou a capitulação jurídica dada aos fatos pelo MP e reconheceu a extinção da punibilidade em relação a um empresário de Goiás, pela prescrição da pretensão punitiva estatal.

O empresário foi denunciado pela suposta prática de crime contra a ordem tributária. Ele teria deixado de realizar lucro inflacionário diferido relativo ao Imposto de Renda de pessoa jurídica, no ano-calendário de 1998, totalizando o débito de R$ 3.850.060,09. Em seguida, encerrou as atividades da empresa sem comunicar o fato à Secretaria da Receita Federal.

Na denúncia apresentada à Justiça, o Ministério afirmou que o empresário teria cometido o crime descrito no art. 2º, inciso I, da Lei 8.137/90: dar declaração falsa ou omitir informações com o objetivo de evitar o pagamento de tributos. A pena prevista é de seis meses a dois anos e o prazo de prescrição, que varia em função da pena máxima, fica em quatro anos. Nessa hipótese, o crime já estaria prescrito no ato da denúncia.

No entanto, ao receber a denúncia, o juízo de 1º grau não vislumbrou a ocorrência da prescrição, pois considerou que a conduta narrada se amoldava ao delito do art. 1º, inciso I, da mesma Lei 8.137 – que consiste em, efetivamente, suprimir ou reduzir tributo, mediante declarações falsas ou omissão de informações às autoridades fiscais. A pena vai de dois a cinco anos. "Portanto, no caso dos autos, a prescrição da pretensão punitiva se dá em 12 anos, nos termos do art. 109, inciso III, do CP. Considerando que o fato ocorreu em 1998, ainda não está prescrito", assinalou.

Inconformada, a defesa impetrou habeas corpus no TRF1, sustentando que o homem seria vítima de constrangimento ilegal. Argumentou que a acusação dizia respeito a ilícito já prescrito, não podendo o julgador, no ato de recebimento da denúncia, adotar conclusão diversa da exposta em relação ao enquadramento jurídico dos fatos narrados na peça inicial.

O Regional negou o pedido, entendendo que o magistrado, quando aprecia a defesa preliminar, está autorizado a conferir classificação jurídica diversa da contida na denúncia, porque essa avaliação sobre a capitulação dos fatos apontados é imprescindível ao exame da alegação de prescrição, que se baseia na pena em abstrato prevista para cada crime.

No STJ, insistiu-se em que a fase de recebimento da denúncia não é adequada para a alteração da classificação jurídica dos fatos, principalmente quando tal modificação é feita para piorar a situação do réu.

Em seu voto, o ministro Jorge Mussi, relator do caso, ressaltou que a ação penal pública é iniciada por denúncia formulada pelo órgão ministerial, e é a partir do exame dessa peça processual que o juiz analisará a presença das condições da ação, a fim de que acolha, ou não, a inicial acusatória. "Assim, a verificação da existência de justa causa para a ação penal, vale dizer, da possibilidade jurídica do pedido, do interesse de agir e da legitimidade para agir, é feita a partir do que contido na peça inaugural, que não pode ser corrigida ou modificada pelo magistrado quando do seu recebimento", afirmou.

O presente julgador continuou seu voto, dizendo que, "ainda que o acusado se defenda dos fatos narrados na denúncia, e não da definição jurídica a eles dada pelo MP, não se pode admitir que, no ato em que é analisada a própria viabilidade da persecução criminal, o juiz se manifeste sobre a adequação típica da conduta imputada ao réu, o que, evidentemente, configura indevida antecipação de juízo de valor acerca do mérito da ação penal".

Jorge Mussi considerou "prematura e precipitada" a atidude do Juízo, pois, antes mesmo da instrução do processo, concluiu que o empresário não teria apenas falseado ou omitido informações para se eximir do pagamento de tributos, mas teria efetivamente reduzido tributos por meio dessas condutas. Esse comportamento, segundo ele, ao modificar os parâmetros estabelecidos pelo titular da ação penal, a fim de não reconhecer a prescrição, viola o princípio da inércia do Judiciário – que só atua quando provocado, "não podendo instaurar ações penais de ofício".

O relator observou que há, na doutrina e na jurisprudência, o entendimento de que, em algumas situações, o sentenciante pode corrigir o enquadramento contido na denúncia logo que a recebe, mas apenas quando é para beneficiar o réu ou permitir a correta fixação da competência ou do procedimento a ser adotado na ação. Segundo o ministro, mesmo havendo erro na tipificação dos fatos descritos pelo Ministério, ou dúvida quanto ao exato enquadramento jurídico dado a eles, cumpre ao juiz receber a denúncia tal como proposta, para que, no momento em que for dar a sentença, proceda às correções necessárias.

Considerando a sanção máxima do delito atribuído pelo órgão ao réu e tendo em conta que os fatos teriam ocorrido em 1999, o ministro concluiu que a prescrição da pretensão punitiva estatal já se teria consumado quando a denúncia foi recebida, em 2008.

Processo nº: RHC 27628

Fonte: STJ